sábado, 20 de março de 2010

UMA HISTORIA DE ALGUEM QUE PERDEU TUDO NO BINGO


Patrícia, 47 anos, entrou numa casa de bingo só para se divertir. Apostou menos de R$ 100 e levou R$ 5.000. Depois não parou mais de arriscar a sorte. Condenada pelo vício, perdeu patrimônios e contraiu dívidas.O marido e o filho nem imaginam o quanto ela está envolvida. Patrícia quer sair dessa vida e diz que terá força de vontade para isso *

A primeira vez que entrei num bingo para jogar, há quatro anos, ganhei o prêmio acumulado de R$ 5.000, o maior daquela noite e a maior quantidade de dinheiro que já recebi numa aposta. Fui com uma amiga conhecer uma casa de jogos que tinha sido aberta perto de onde moro, em Osasco, São Paulo. Sabia mais ou menos como funcionava a brincadeira e dei sorte. Depois nunca mais parei. Já perdi uma banca de jornal, um restaurante, um carro e tenho em torno de R$ 30 mil em dívidas com banco e agiotas, com juros altíssimos para pagar. Guilherme, meu marido, e Marcelo, meu filho, sabem que gosto de apostar, mas nem imaginam o quanto estou envolvida nisso.
Nunca fui viciada em nada até vencer aquela rodada. Não gosto nem de beber, nem de fumar. Até os meus 43 anos, abominava vícios e não me conformo por ter virado uma compulsiva. Quero sair dessa vida, mas ainda não consegui. Fiz terapia um tempo e minha analista dizia que tenho um desvio de conduta. Tenho consciência disso e por isso desisti. Depois, uma amiga me levou a um grupo de jogadores compulsivos. A gente se reunia numa igreja perto do metrô Ana Rosa duas vezes por semana. Era um lugar improvisado, que não tem sequer telefone para contato, e as pessoas que vão lá são pessoas como eu, que estão tentando deixar o jogo. Não conheci ninguém que fosse um exemplo, que tivesse uma história positiva para contar. Freqüentei algumas sessões, mas fiquei desanimada e desisti. Apesar de estar longe de me livrar do problema, agora começo a rever a minha vida, a procurar um motivo que justifique o meu vício. E tenho fé que vou dar um jeito nisso.

Fui casada durante 22 anos com João, meu primeiro marido, por quem fui louca de amor. Mas ele sempre me traiu, era mulherengo. Eu desconfiava, cheguei a descobrir vários casos dele, mas a gente sempre voltava. Ele era comerciante, dono da banca de jornal, o primeiro patrimônio que liquidei. Eu era dona de casa, cuidava dele, do nosso filho. Vivíamos bem financeiramente, mas ele nunca foi meu companheiro de verdade. Hoje sei que anulei boa parte de mim para viver em função dele. Em janeiro de 1994, João morreu. Fiquei totalmente desamparada de uma hora para outra —tinha perdido meu pai um ano antes, minha mãe estava muito doente e não tenho irmãos. Fora a parte afetiva, que não é fácil superar, não sabia como administrar os bens que herdei —três casas e a banca. Deixei que um irmão do João tomasse conta. Em oito meses, ele afundou tudo e me deu um golpe de R$ 80 mil. Botei ele para correr, arrendei a banca por cinco anos e aluguei duas casas —a outra é onde sempre morei.

Uns três anos depois conheci Paulo, um motorista particular dez anos mais novo do que eu. Eu estava sozinha, supercarente e acabei me envolvendo com ele, que era desquitado. Lá pelas tantas, ele ficou desempregado e teve a brilhante idéia de abrir um bar noturno, também em Osasco. Como não tinha dinheiro, insistiu que eu o ajudasse. Entrei com a cara, a coragem e o cheque pré-datado na praça —não queria mexer no dinheiro dos aluguéis, tinha receio de que pudesse acabar sustentando um homem. Em três meses, a gente conseguiu sanar as dívidas e tivemos algum lucro. Só que a ex-mulher dele começou a me perturbar, a querer parte do lucro do nosso negócio. Aí minha mãe morreu e eu perdi toda a minha paciência, inclusive com Paulo, de quem acabei me separando.

O bar era meu, mas foi Paulo quem fez todo o movimento. Com a saída dele, não entrava uma alma viva naquele lugar. Comecei a ficar louca, desesperada, porque tinha um monte de contas para pagar. Aí uma amiga minha, a Ana, que administra dois negócios próprios na região de Osasco, me disse: ‘Pior do que está não fica. Pára de trabalhar à noite e coloca refeição’. Foi aí que transformei o bar em restaurante, que deu supercerto, cresceu tanto que não tinha mais espaço para atender a clientela.

Estava tudo indo bem na minha vida, meu filho estudando, a gente com dinheiro para tocar em frente. Aí um dia resolvi aceitar o convite de uma amiga para conhecer o tal bingo. Ela me disse: ‘Patrícia, vamos lá, é uma delícia à tarde, tem lanche, a gente se diverte e ainda ganha um dinheiro’. Chegamos umas 18h e saímos às 2h da madrugada. Foi mesmo muito divertido. Apostei menos de R$ 100 e levei o maior prêmio daquela noite. Só que, a partir desse dia, ir ao bingo passou a ser a minha rotina.

Nessa ocasião, eu tinha acabado de conhecer o Guilherme, meu atual marido, que também é viúvo. A gente se conheceu no meu restaurante. Ele entrou para almoçar e foi amor à primeira vista dos dois lados, graças a Deus. Vai fazer quatro anos que estamos juntos. No início do nosso relacionamento, Guilherme até me acompanhava nas jogatinas, mas ele não gosta de arriscar, gasta pouco, no máximo R$ 5. Ia mais para comer, ver as pessoas, me acompanhar mesmo. Até pouco tempo atrás, eu achava que o meu problema era ganância, porque, quando o jogador vence, o dinheiro entra fácil e isso é bom. Então, eu queria ganhar mais, mais e mais. Nunca entrei numa aposta pensando que poderia perder. Sempre chegava confiante e muitas vezes perdi e perdi muito. Quando estou perdendo, acho que uma hora vou recuperar o que coloquei lá e aí vira uma coisa compulsiva mesmo. Coloco o dinheiro, perco, coloco mais dinheiro achando que vou recuperar o que perdi, perco mais. É uma bola de neve.

Primeiro, perdi a banca de jornal que meu marido levou 20 anos para fazer. Depois de terminado o contrato de arrendamento por cinco anos, eu a vendi por R$ 20 mil. Em um ano, perdi tudo no bingo. Depois, foi o restaurante, que passei adiante quando estava numa fase ótima, com clientela, lucro, tudo ajeitado. Peguei R$ 25 mil nele, valor que torrei em menos de oito meses. Mas só me dei conta mesmo de que estava viciada em julho do ano passado, quando cheguei ao fundo do poço. Vendi um carro, um Fiat Tempra ano 1992, por R$ 8.800. Por sorte, guardei R$ 5.000 numa aplicação que não posso mexer por um bom tempo, e fiquei com R$ 3.800.

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Já perdoei erros quase imperdoáveis, tentei substituir pessoas insubstituíveis e esquecer pessoas inesquecíveis. Já fiz coisas por impulso, já me decepcionei com pessoas quando nunca pensei me decepcionar, mas também decepcionei alguém. Já abracei pra proteger, já dei risada quando não podia, fiz amigos eternos, amei e fui amada, fui amada e não amei. Já gritei e pulei de tanta felicidade, já vivi de amor e fiz juras eternas, "quebrei a cara" muitas vezes! Já chorei ouvindo música e vendo fotos, já liguei só pra escutar uma voz, me apaixonei por um sorriso, já pensei que fosse morrer de tanta saudade e tive medo de perder alguém especial (e acabei perdendo)! Mas vivi! E ainda vivo! Não passo pela vida... E você também não deveria passar! Viva!!! Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida e viver com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é MUITO para ser insignificante, e o mais importante, não me arrependo de nada que fiz, por mim, ou por alguem. Assim sou EU